"Sentou-se delicadamente na pedra
mais segura daquele lugar para esperá-lo chegar. E estes poucos momentos de
espera revelavam bastante de seu interior, e também de seus desejos futuros,
meio premeditados dentro da lentidão das gotas que desenrolavam pelo vidro da
janela, meio incógnita, como a neblina que escurecia o caminho. Mistura de
futuro e passado, nem se interessava mais desde que aprendera a virar a ampulheta
segundo interesses.
As sombras que se deitavam pelo úmido
e escuro beiral já nem traziam tanto temor, como antes qualquer sinal contra a
luz poderia causar. Ao menos nos últimos três séculos. Já era sabido que medo
maior se deveria ter das sombras de dentro, e apenas um fio de luz ainda
insistia em afastá-las dos hemisférios mais altos de si. Na parte que guardava
os compartimentos mais dignos e misteriosos.
Durou pouco até que ele apareceu
como o esperado. Vinha todas as noites num contínuo e simétrico movimento. Todo
o cenário também era o mesmo, muita coisa já havia sido vista e a repetição já
mantinha um rangido quase insuportável, dos mesmos passos para as mesmas
direções. A linha fronteiriça não nos permite ainda grandes definições.
Os olhos meio encobertos estavam
dotados de interrogações, não se transportava o que seus olhos viam. Ao menos
se sabia que não seria uma travessia convencional. O ingresso dividia-se entre
a certeza de ir – estava lá, não era? -, e o inédito que as interrogações
oculares traziam, e se traduziam na certeza de que não era convencional aquilo
tudo. O rangido havia mudado.
- Quem sois vós? E para onde
vais? Perguntou, assassinando certeiramente os filetes de silêncio que competiam
com o frio. (Vitória do frio!) Talvez matasse também alguns dos gélidos espaços
interiores involuntariamente criados. Estes deveriam ser mortos!
Talvez não fosse tão incompetente
assim em traduzir olhos. Talvez não se achasse tão complexa a visão para acreditar
que certezas neste sentido não seriam possíveis. Há séculos que as certezas
haviam caído em desuso, assim como os valores aos quais ainda insistia em
procurar anacronicamente.
Mas as perguntas levantaram
complexidades maiores. O simples sempre foi mais complexo. Se por um lado os
enquadramentos da primeira pessoa do singular fossem impossíveis para se fornecer
naquele contexto, o saber para onde ir – apesar de não obedecer a mesma lógica -
ainda guardava uma superficialidade de um suposto não-saber. E nisso inclui,
também, as irresponsabilidades inatas que permitiram que o outro fosse
simplesmente o outro. Ou que apenas transportasse, melhor dizendo.
Mas antes de se pensar nas
possibilidades de resposta para a primeira pergunta, o encaixe da segunda
encerrou de uma vez o angustiante quadro, pincelando enfim os últimos
delineamentos. Então, com os mesmos gestos que lhe diferenciavam das demais sombras
- e competir com as sombras não incomodava jamais - atravessou a pequena
passagem, sentando-se de forma tão segura e delicada quanto no descrito no
primeiro parágrafo. Talvez se colocasse sobre as letras traçadas nos primeiros
registros (Há! Os primeiros registros...), e disse, com sons que nunca se
atrevera expor, costurando violentamente os símbolos:
- Siga, apenas. E volte dois
séculos e meio."
(14_06_2012 / 00:35)
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